Encantador de nuvens
- Férias! Férias! - gritavam alegremente os meninos.
Finalmente tinham chegado as tão aguardadas férias escolares Verão. Mas para o "piolhinho", nome carinhoso que a mãe lhe chamava, as férias simbolizavam dias intermináveis de tédio e solidão. O pai agora estava sempre ausente e a mãe, mesmo estando de férias em casa, tinha os seus afazeres. Alguns dos amigos tiveram sorte, tinham ido para a colónia de férias.
A televisão aborrecia-o facilmente e os jogos permaneciam nas caixas, pois não tinham a mesma graça sem alguém para brincar. Passava o dia a massacrar a mãe e nunca estava satisfeito com nada. Chegado o fim do dia, a mãe recebeu um telefonema de uns familiares da aldeia, pedindo-lhe para dar-lhes uma ajuda nas quintas. Ainda hesitou um pouco, perante a cara cerrada do filho que não achava graça nenhuma, mas estava determinada e decidiu aceitar, na esperança de também ela renovar energias. Nessa noite preparou tudo, perante o constante contestar do filho, que chorava compulsivamente dizendo que não queria ir, acabando por adormecer de cansaço.
No dia seguinte, o “piolhinho” acordou bem cedo, talvez pressentindo que a mãe já estava acordada e embora ainda fosse muito cedo, a manhã já estava extremamente quente, num dia de céu azul completamente livre de nuvens. Após mais uma birra para se vestir e comer, e após muito dialogar, acabou por conseguir convencer o filho a fazer a viagem sem birras. Mesmo assim, durante algum tempo, ele apenas reclamava, perguntando a cada instante se ainda faltava muito para chegarem. Com a cidade cada vez mais para trás e com as montanhas no horizonte, o tempo começava a mudar ligeiramente com o aparecimento de uma pequena nuvem com uma forma muito estranha. Nessa altura, a mãe deixou-o de ouvir reclamar, pensando que talvez tivesse adormecido de tanta rabugice. No entanto, e olhando pelo espelho, percebeu que ele estaria a olhar para um ponto fixo, olhando ora por uma janela ora pela outra.
- Que se passa meu piolhinho?
- Mãe… eu acho que estamos a ser perseguidos por uma nuvem...
A mãe riu-se baixinho e embora achasse estranho os constantes movimentos para seguir a nuvem, sentiu-se mais descansada, pois finalmente ele estava entretido. Aproveitou para contar-lhe histórias da aldeia, de quando ela era pequena antes de ir para a cidade, mas ele já estava completamente entranhado no seu mundo imaginário.
“Aquela primeira nuvem parece-me um animal fofinho. Talvez seja um cão daqueles com muito pêlo ou um daqueles que se babam… Mas porque é que ele persegue o nosso carro?” - pensava ele! “Ou talvez um gato com ar de mau preparando-se para atacar as rodas do carro”
No entanto, o que ele considerava uma simples nuvem fofinha, começou a ficar maior e a escurecer, perante o olhar maravilhado daquela criança. “Talvez seja um dragão disfarçado, esvoaçando em redor do seu castelo, preparado para lançar chamas aos invasores… Fogo! Fogo Fogo!”
Mais atrás, apareciam pequenas nuvens, esvoaçando a diferentes velocidades. “Já sei! Estão a fazer uma corrida ou talvez sejam apenas umas doidas varridas, bruxinhas brincalhonas assustando as pessoas, a cavalo nas suas vassouras! Mais nuvens!”
O céu azul dava lugar a um enorme conjunto de nuvens que se fundiam com outras nuvens, dando lugar a nuvens cada vez maiores , a novas histórias, a novas aventuras. A mãe já não se lembrava de ver o filho tão feliz, com um brilho intenso no olhar e com um sorriso rasgado de orelha a orelha. Mas a viagem estava a chegar ao fim perante a desilusão do filho que queria continuar a viagem
- Já mãe? Não podemos só dar mais uma volta? Estás a ver aquelas nuvens ali ao fundo? São piratas num barco gigante e preparam-se para invadir o castelo dos maiores gigantes do mundo e que estão naquelas nuvens daquele lado. Tenho que os avisar! E ali ao fundo está a haver uma corrida de carros e de camiões e até de tratores.
Quando a mãe parou o carro sentiu-se desiludido, continuando a olhar para as nuvens perante o olhar zangado da mãe por não estar a dar atenção à família. Entretanto, o avô chamou-o dizendo que tinha algo especial para lhe mostrar. Não muito convencido, acabou por seguir o avô até ao sótão, onde este lhe mostrou uma cúpula de telhas transparentes.
- Sabes… eu quando era mais novo também adorava as nuvens! observava-as enquanto cuidava das ovelhas e das cabras! e depois, nas noites de céu limpo também vinha para aqui, assistir ao espetáculo de estrelas!
- Avô ! E quando não havia nuvens de dia?
O avô dirigiu para um canto do sótão e retirou uma velha caixa de madeira empoeirada.
- Quando não havia nuvens tinha que as criar. Eu fiquei conhecido como o encantador de nuvens. Dizem por aí que certa vez crei um acontecimento chamado “Cúmulo-nimbo”, algo muito raro por aqui mas que criou uma enorme tempestade… Talvez tu também seja um encantador de nuvens! Olha, aqui tens alguns dos tesouros que o teu avô tem guardados… hoje são para ti! Cuida bem deles…
Entre desenhos e brinquedos estava uma nuvem de trapos, feita restos de delicados tecidos de suaves cores. Nessa noite, ele adormeceu bem agarrado à sua nuvem feita de trapos.
No dia seguinte, acordou bem-disposto e com vontade de conhecer as quintas da família e explorar os montes e claro, de ver mais nuvens. Antes de sair pediu à mãe que lhe comprasse um bloco de desenho. Já nos campos, o avô pediu-lhe para o acompanhar, levando-o à parte mais alta do monte, Chegados ao topo, pode observar maravilhado todas as nuvens ao seu redor, algumas abaixo do seu horizonte, como se fossem feitas de algodão, partilhando histórias engraçadas com o avô.
Os dias acabaram por passar a correr e no dia de regressar de novo à cidade, o céu já não tinha nuvens, aliás, estava um dia maravilhoso de verão. O “piolhinho” sentia-se triste, desanimado e a fazer birra, desta vez porque não queria regressar. O avô foi ter com ele, abraçou-o fortemente e olhando-o nos olhos, entregou-lhe uma velha caixa de cartão bem cuidada, fazendo-o prometer que ia passar a viagem e descobrir os tesouros nela escondidos e que nunca se esquecesse que apesar das nuvens nem sempre estarem presentes, elas estavam lá, a brincar às escondidas.
Já no regresso a casa, a mãe parou numa pastelaria para comerem um gelado. Quando abriu a porta para o filho sair, reparou num objecto feito de madeira dentro da caixa.
- Onde arranjaste isto?
- Foi o avô que deu… disse que algumas coisas eram prendas especiais tuas… e que ele guardou… mas o que é isso mãe?
- Nada… apenas uma prenda que um dia alguém ofereceu à tua mãe… nada de especial - disse ela enquanto guardava cuidadosamente aquela lembrança dentro da sua bolsa, com um sorriso enorme e com o coração a palpitar.
Após comerem o gelado, e antes de voltarem a entrar no carro, ele ficou muito sério.
- Mãe… eu vou-te contar um segredo… eu sou um encantador de nuvens! A sério! olha vou desenhar uma nuvem em forma de coração para ti, vais ver que vai aparecer.
A mãe viu o filho tão feliz que não lhe disse nada, concordando apenas. Pouco depois de reiniciar a viagem olhou pelo retrovisor e viu que o filho tinha adormecido agarrado à sua nuvem de trapos. Sorriu e olhou para as nuvens e para seu espanto observou uma que parecia ter forma de coração. “ilusão de óptica" pensou ela. O resto da viagem foi silenciosa. Ele, completamente entranhado no mundo dos sonhos. Ela, sentindo que talvez fosse um novo sonho a começar...