Costumo dizer que a vida é feita de pessoas, de sentimentos, de encontros e desencontros. Não sei se há um propósito maior para cada um de nós, no entanto considero que não há pessoas insignificantes, porque na realidade, todos nós fazemos parte de algo e na maioria das vezes, nem temos consciência desse facto. Talvez para muitas instituições sejamos apenas números, meras estatísticas ou percentagem de uma qualquer projeção eleitoral.
Quando nascemos passamos a ser mais um elemento importante, alteramos as rotinas daqueles que nos rodeiam e aos poucos vamos fazendo parte de uma comunidade, primeiro dentro de casa, depois do bairro, da escola, das coletividades, dos grupos de amigos. Muitas pessoas dizem que se forem embora ninguém dará por elas, no entanto, todos temos rotinas e interagimos de uma forma ou outra.
Normalmente, temos um lugar de paragem obrigatória, seja no café, na bomba de combustível, no mini-mercado, num qualquer jardim. Podemos pensar que somos ínfimos, apenas mais uma pessoa na sociedade, mas se deixarmos de frequentar aquele simples café, não só o dono deixará de ter aquela receita como pode perder vários clientes no mesmo dia, pois muitas vezes esses lugares são eleitos para aqueles encontros ao fim de tarde depois do trabalho. E numa pequena comunidade essa simples alteração pode ser fatal. Assim também são as relações humanas. Lembro quando abandonei a grande capital em nome de um sonho maior, deixei um mundo para trás. Criamos elos, criamos rotinas, criamos interações que estranhamos quando algo de diferente acontece. Por vezes somos a única pessoa a dar aquele bom dia com alegria a alguém, o porto de abrigo de alguém em desespero, o amor secreto de quem nos vê passar todos os dias mas sem coragem de o dizer. Mesmo que sejamos o elemento mais tímido, aquele que raramente têm voz ou passa despercebido, fazemos parte desse equilíbrio, acrescentamos algo mesmo que impercetível. Quando naquele dia entrei dentro do carro para seguir a minha jornada, não quebrei apenas os elos individuais, quebrei todos os elos do grupo, deixei uma cadeira vazia, um bom dia com alegria para oferecer, provavelmente até algum coração partido.
Quando cheguei ao meu destino, houve quem me recebesse de braços abertos, assim como muitos me viram como uma ameaça, criando obstáculos e tentando impedir de realizar os meus objetivos. Interferimos nos grupos de amigos existentes, criamos atritos mesmo que inconscientemente, tentamos de alguma forma marcar a nossa presença. Passamos a fazer parte de uma nova comunidade, interagindo e alterando algumas das suas rotinas. O café da esquina tem um novo lugar ocupado, o quiosque vende mais um jornal, mais um carro a abastecer, o mini mercado terá que repor stocks de novos produtos. Haverá certamente uma nova pessoa a receber um bom dia com alegria, novas amizades, mais uma pessoa sentada num banco de jardim de caderno e caneta na mão, talvez até alguém venha à janela apenas para me ver passar.
Quando tomamos a decisão de mudar para um outro lugar, não estamos apenas a abandonar uma localidade, estamos a criar um vazio, a quebrar elos, e muitas vezes a tirar o chão da vida de alguém. Talvez seja esse o nosso maior egoísmo. Mas paradoxalmente, quando chegamos a um novo lugar, vamos interagir com uma nova comunidade, e de uma forma ou outra, a bem ou mal, passamos a ser parte integrante dela, e aí reside a beleza da vida, de fazer o mundo girar, realizando os nossos sonhos ou a ajudando outras pessoas a realizá-los.
Os sonhos conduziram-me até aqui. Os motivos que me levaram a abandonar a grande cidade hoje já não fazem sentido, da mesma forma que ainda faz menos sentido regressar.
Não sei que aventuras esperam-me, que desafios ainda terei que enfrentar, que pessoas irei encontrar ou reencontrar nesta nova caminhada, mas não me prendo a localidades, na certeza que irei sempre para onde possa ser feliz, irei sempre para onde a minha felicidade me levar.